A tensão criada em torno das Escrituras e a Tradição, embora descabida, é notória. De um lado aqueles que defendem que todo aprendizado teológico deve ser proveniente somente “da Palavra”. De outro lado aqueles que, firmados na tradição, não demonstram preocupação alguma em fundamentar sua fé nas Escrituras.
Mais uma vez, em busca da verdade, mencionamos o ditado latino: virtus in médio (a virtude está no meio).
No tempo do apóstolo Paulo, a igreja tinha três fontes de revelação: a Escritura (até então formada apenas pelo Antigo Testamento), as cartas (dentre as quais, mais tarde, veio a formar-se o Novo Testamento) e a tradição oral (conhecimento transmitido no convívio). Foi por meio da Santa Tradição Apostólica que, no concílio de Nicéia, no século IV, os livros do Novo Testamento foram definidos como os temos hoje.
Considerando isso, aqueles que ignoram o valor da tradição, colocam em dúvida a própria Escritura, pois se quem institui não tem valor, que valor terá o instituído? Em outras palavras, como podemos confiar que os livros bíblicos são inspirados pelo Espírito Santo se Deus não houvesse, pelo mesmo Espírito, inspirado aqueles que pela tradição definiram quais livros são inspirados? Logo, não se pode negar o valor da tradição que atestou a veracidade das Escrituras.
Por sua vez, a Tradição não pode contradizer as Escrituras, pois contradizê-la seria contradizer a si mesmo. A Tradição não pode dizer algo contra a Escritura a qual atestou ser inspirada por Deus. Assim, toda tradição que contradiz a Escritura, por mais bela que se demonstre, não é santa, nem é apostólica; é apenas tradição humana e pecaminosa. Esta sim, devemos combatê-la, tal qual o próprio Cristo Fez.
Portanto, negar a Santa Tradição Apostólica é contradizer a Escritura Sagrada, já que a própria Escritura atesta o valor da Tradição. Da mesma forma, negar a Escritura Sagrada é contradizer a Santa Tradição, uma vez que por esta o cânon sagrado foi definido.
A Escritura Sagrada é Revelação de Deus ao homem, mas não se pode negar que Deus é maior que a própria Escritura. Assim entendemos que a Bíblia não comportaria toda revelação de Deus, nem o relato de tudo o que Deus fez. Disso a própria Bíblia afirma que não haveria lugar no mundo que comportasse livros para relatar todos os seus feitos (vd. João 21.25). É, portanto, lícito crer que Deus nos fala e se faz ser conhecido de diversas outras maneiras. Um exemplo disso é dado pelo Apóstolo Paulo quando ele afirma que foi dada a todas as pessoas da terra a revelação total de Deus por meio da criação (vd. Romanos 12.20). Nesse ponto, também podemos nos valer de Calvino, quando disse que toda verdade procede de Deus, ainda que saia da boca de um ateu.
O critério para reconhecer uma tradição Santa e Apostólica se dá em primeiro lugar em não contradizer as Escrituras, por razões já mencionadas. Em segundo lugar, ter a centralidade em Cristo. Portanto, assim como a Escritura Sagrada, de Gênesis a Apocalipse, revela Cristo, também a Tradição, de forma didática, deve sempre revelar a pessoa do Senhor Jesus.
Não foi por acaso que São Paulo se preocupou com a guarda da Tradição. A verdade é que a Escritura pode ser aprendida com estudo e leitura particular. Já a Tradição Apostólica só é possível aprender no convívio com o povo de Deus. Pois ela trata, exatamente, da forma como colocamos a Escritura em prática.
A Escritura nos ensina que devemos cultuar unicamente ao único e verdadeiro Deus; pela Tradição aprendemos a nos organizar para cultuar da melhor forma. A Escritura nos ensina a amar o próximo; a Tradição nos dá diretrizes para manifestarmos esse amor como igreja de Cristo. A Escritura nos ensina a honrar pai, mãe e todos a quem devemos honra; a Tradição tem, nesse aspecto, a importante função de manter viva a memória e o serviço daqueles que nos precederam, a fim de que suas boas obras sejam, para nós, exemplos motivadores em nosso caminhada e alicerces na construção do Reino de Deus.
Toda religiosidade constitui uma tradição. Mesmo entre aqueles que a negam. Cabe-nos então, tão somente, escolhermos a tradição a ser seguida. Minha oração é que o Senhor nos aproxime da Santa Tradição Apostólica, e nos livre dos lobos em peles de ovelhas, com suas tradições humanas que visam alicerçar seus próprios impérios religiosos. Que cumpramos a ordem da Escritura Sagrada que assim diz: “Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus Cristo, que vos aparteis de todo irmão que ande desordenadamente e não segundo a tradição que de nós recebestes” (2 Ts 3:6).
Muito bom, irmão Julio. Infelizmente, boa parte de nós não consegue compreender algo tão simples, e necessário. Agradeço a Deus por estar descobrindo o valor da fé cristã histórica, no que tenho sido disciplinado pelo anglicanismo. E, claro, peço autorização para publicar este artigo no "Olhar Reformado".
ResponderExcluirMarcelo Lemos
Obrigado Marcelo! Fique a vontade para publicar meus artigos. Isso é uma honra para mim. Um abraço!
ResponderExcluirExcelente Post, meu Irmão!
ResponderExcluirDesmerecer a Tradição é desqualificar a própria Bíblia como Palavra inspirada por Deus.
Lembrando que no Anglicanismo a Palavra é considerada sob três ângulos: Revelação, Tradição e Razão. Os Evangélicos nem descobriram a Tradição ainda, quanto menos a importância da Razão para não desvirtuar o Santo Ensinamento.
Rev. Eugênio Christi
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