Por Julio Zamparetti
Aos discípulos disse o Mestre: “a quem perdoardes os pecados,
ser-lhes-á perdoado. A quem retiverdes, ser-lhes-á retido”. Com isso diz a Igreja Católica que os padres têm o poder de conceder a absolvição ou deixar à condenação o
pobre pecador. De carona, outras igrejas, mesmo sem crer no sacramento da absolvição, se aproveitam da ideologia para autenticar a autoridade de sua inquestionável liderança. Entretanto, é difícil, para qualquer ser pensante, crer que o Pai
deixará a tarefa de absolver ou condenar pessoas nas mãos de uma casta de pessoas
igualmente falhas, tão somente por conta de sua patente religiosa.
Se aos discípulos foi-lhes dado o poder de perdoar, isso não se deu
pelo fato de portarem uma patente religiosa, nem porque Deus confiava neles
para esse fim, mas porque as pessoas confiariam no que eles haveriam de falar a
elas. Pois o verdadeiro poder das palavras não está nos lábios de quem as diz,
mas no coração de quem, tendo escutado, acredita.
Se é verdade que Cristo disse que seus discípulos teriam o poder de
perdoar ou reter pecados, também é bem verdade que ele mesmo ensinou a perdoar
sempre. Portanto, o que cabe ao clero não é se colocar na porta de entrada do
céu conferindo o alvará de entrada no reino eterno, mas sim proclamar aos
quatro ventos que não há mais condenação alguma, e por
isso não há mais sacrifício algum a se fazer para se alcançar a misericórdia
divina; nem ofertas, nem dízimos, nem vales, nem velas, nem carmas, nem darmas.
Tudo está consumado e todos são livres se assim crerem.
Mas de fato pecados são retidos. Não porque há alguém que tenha o
poder mágico de retê-los, mas porque há pecadores que creem que esse alguém tem
tal poder. E esse mesmo alguém sabendo da farsa, se cala, a fim de exercer o
poder dominador sobre os indoutos de boa fé.
Exercer o poder de perdoar pecados é, tão somente, ter influência
suficiente sobre alguém, a fim de que este alguém compreenda que o perdão já
foi concedido a quem, simplesmente, entende que não existe mais qualquer
maldição ou condenação, senão aquela da qual já fomos todos sentenciados, a
saber, somos presos ao que cremos.
Portanto, a quem crê, resta-lhe a certeza que o caminho expurga todo
mal. É caminhando, errando e acertando, caindo e levantando, que vivemos um
purgatório constante onde o aprendizado da vida nos resgata da escuridão e nos
faz ser melhores a cada dia. Isso não tem nada a ver com dogmas, rituais ou sacrifícios.
Tem a ver com consciência, verdade e liberdade. Porque a verdadeira religião
nos salva do religionismo, nos religa ao universo e nos faz livres.
O versículo referido no início deste ensaio não deve, nem pode ser
interpretado como uma outorga que Cristo dá aos seus discípulos para que
determinem quem recebe ou não o perdão de Deus, quem entra ou fica de fora do
céu. Jesus não incumbiria seus discípulo de prestarem o desserviço que já era
prestado pelos fariseus e pelo qual Jesus os repreendia, denunciando-os por sentarem-se na cadeira de Moisés, não
entrarem pela porta nem deixarem que outros entrassem. O versículo deve, sim,
ser entendido como uma exortação de Cristo sobre a responsabilidade daqueles
que se evidenciam no ministério eclesiástico, quanto aos reflexos gerados por
seus ensinamentos. Porque o bom ensinamento sempre liberta. “Vós já estais
livres, pela palavra que vos tenho ensinado”, disse o Verbo de Deus.
Entendo que essa seja a única forma de sermos livres, para livre
amarmos, servirmos e contemplarmos a vida numa relação de adoração sincera ao
criador. Doutro modo estaremos apenas trocando amarras por amarras, laços por
laços, desprendendo-nos daqui para aprisionarmo-nos ali, enganando-nos numa
pseudo-conversão onde tudo que se faz é,
na melhor das hipóteses, barganha, barganha e barganha infernal. Nesse negócio
não há mudança de vida, porque a verdadeira mudança de vida só se dá pelo amor,
no amor e para o amor. Jamais o medo do castigo mudou alguém. No máximo moldou,
limitou, aprisionou, condicionou o estereotipo sem qualquer conversão do
interiotipo.
Eu não sei se a religião, como a temos hoje, suportaria uma fé assim. Mas
sei que a subsistência de uma fé superficial estereotipada não é benéfica. Jamais
foi. A verdade é que ela, assim como a vemos vivida hoje e estampada ao longo
da história, precisa, para sua subsistência, mais do inferno do que do céu,
mais do diabo do que de Deus, mais do medo do que do amor, mais da delimitação
do que da liberdade, e o pior de tudo, mais da mentira do que da verdade. Essa
realidade nos faz pensar no que, de fato, essa religião está nos religando.
Porque foi em nome dessa fé que velhas benzedeiras que só faziam o bem foram
bruxificadas e caçadas até a morte; dádivas preciosas como a música e a dança
foram demonizadas; riquezas culturais foras diabolizadas; pessoas boas foram
marginalizadas por conta de sua orientação sexual; gente linda foi segregada e
escravizada por causa da cor de sua pele e mulheres foram discriminadas pela
culpa de terem nascido mulheres. Então me pergunto: Quem precisa perdoar a quem?
Por fim, a verdadeira função sacerdotal cristã não é reter nem deter
qualquer poder, mas sim guardar a fé que é vivida no amor, zelar pela
consciência da liberdade que Cristo dá a toda criatura, lutar por justiça e paz
na terra e não deixar que as coisas sagradas desta vida se corrompam pelo
dogmatismo religioso que afasta o ser humano da simplicidade do Evangelho e da
liberdade que há em seu Espírito.
Essa é a fé que me faz livre, como livre é o Espírito que a proclama.
Gosta das suas reflexões, amado irmão e amigo!
ResponderExcluir"Deus, teu amor é qual paisagem bela,
qual campo aberto, lar e proteção.
Livres vivemos, livres habitamos,
livres para aceitar ou rejeitar.
Libertos para o encontro de nós mesmos,
libertos para em comunhão viver;
necessitamos desta liberdade
para sonhar, para amadurecer.
Só tu, Senhor, nos dás a liberdade,
só tu, juiz, nos podes absolver.
Lá onde o teu amor alcança os homens
dás liberdade a raças e nações."
Anders Frostensson (HPD 176)
Abraços fraternos.