Por Julio Zamparetti
Não
é estranho que a mensagem religiosa nos ensine que a vida altruísta e
comunitária seja uma forma de alcançar a salvação eterna individual? Eu acho
bem mais coerente pensar que a vida altruísta e comunitária seja, então, uma
prévia do que é a eternidade. Quando os Cristãos, após a ressurreição de Cristo
passaram a ter tudo em comum, sem que ninguém fosse dono de nada e ninguém
tivesse falta de nada, anunciavam o que haveria de ser o reino eterno. Assim os
que se adaptam a esse modus vivendi
estarão, aqui na terra, mais próximos ao que os espera após a morte. É até possível
dizer que essa forma de viver seja uma forma de celestificar a vida terrenal.
Com base nisso, sou capaz de dizer que o céu não tem indivíduos, pois, nele,
Deus é tudo em todos e todos são um em Deus, como diz as Escrituras.
Nossa
dificuldade em aceitar essa tese se dá pelo fato de que nossa mente egoísta
quer para nós, e somente para nós, o fruto de nossa justiça própria. Assim,
pensamos que se individualmente fizemos o bem, individualmente devemos colher os
frutos. Em razão disso, a vida parece ter sentido somente se depois dela houver
algo nos esperando com nosso nome escrito sobre uma recompensa ou castigo
merecido.
Entretanto,
a meu ver, o exemplo de Cristo subverte toda essa lógica de pensamento. Jesus
veio para salvar o mundo, e não a si mesmo, e ainda disse que quem cresse nele
faria as mesmas obras e as fariam ainda maiores. Não posso deixar de pensar no
que significa sua ordem de dar de graça o que de graça foi recebido. Parece-me que
ser salvo é, em si, um chamado a ser salvador.
Talvez,
salvar o mundo não seja uma tarefa inerente ao Cristo histórico, mas ao Cristo
cósmico, cordeiro imolado antes da fundação do mundo, e que hoje tem seu corpo
místico materializado em todos os homens de boa vontade sobre a terra, e,
talvez, a história do Salvador seja apenas um ícone da cosmologia da salvação.
Ou seja, o Cristo cósmico, do qual somos parte, é maior que o Cristo histórico.
Nesse
ínterim, acho que o maior erro da igreja foi ensinar que o sacrifício histórico
do Cristo fosse suficiente para remir a humanidade. Então, confiando na
remissão por meio do sacrifício histórico, os fiéis se apropriaram de uma
salvação mágica praticada em um único e solitário ato, alheio e independente de
qualquer obra humana. Isso contraria o que o próprio Cristo falou a respeito de
que o seu reino não se manifestaria com visível aparência, mas se daria no
interior de cada pessoa, resultando e evidenciando-se em suas boas obras.
Por
outro lado, a compreensão do sacrifício cósmico, ou sacrifício do Cristo
cósmico, nos coloca dentro do ato. E, então, Cristo salvou e ainda salva por
meio de um corpo místico, do qual somos membros ativos, num ato sacrificial
universal e contínuo de altruísmo, acolhida, doação e amor ao próximo. É
razoável entender que um sacrifício dessa proporção certamente salva o mundo. A
partir disso, poderemos encontrar o cumprimento da palavra do Cristo histórico
quando disse algo sobre realizarmos obras maiores.
Todavia,
acho difícil que quem faça o bem pensando no bem a receber pelos méritos do bem
que fez, possa salvar o mundo, visto que apenas busca salvar a si mesmo. Ainda
mais quando se espera que a colheita seja exclusiva de quem plantou. Porque um
ato de amor não perspecta retorno, e não posso crer em salvação sem amor. Quem
ama se alegra em ver todos colhendo os frutos daquilo que ele semeou, mesmo que
só ele tenha semeado.
Claro
que eu posso estar errado, mas não consigo conceber a ideia de um céu de
individualidades. Toda individualidade gera exclusão, exceção e acepção. Não
poderia ter sido criado por um Deus que não faz qualquer acepção de pessoas.
Quem
ama e é amado já alcançou a vida eterna. Quem não sabe amar, tão pouco sabe ser
amado. Para este, a eternidade, se possível fosse, lhe seria um inferno. Essa é
a razão pela qual Deus, que é amor, não permitiria que houvesse vida eterna
senão no amor. Sem amor nada é eterno.
Creio
num céu em que somos eternizados pelo amor e no amor. Onde, seja aonde for, viveremos
eternamente em cada vida que amamos e coração que nos amou, da mesma forma que
levaremos vivos em nós tudo que nos foi amado. Então unidos e unos,
celebraremos com amor, no amor e pelo amor o amor que nos uniu. Como dizia o
autor sagrado, no final de tudo só o amor permanecerá. “O amor jamais acaba”.
Eis a vida eterna! Quem sabe possamos ser como disse o poeta: uma parte de mim
é amor, a outra parte... também.
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