sábado, 23 de julho de 2016

A MELHOR PARTE

Por Julio Zamparetti

Marta é aquela mulher que ao receber a visita do Mestre, envolvida nos afazeres domésticos, não encontrou tempo para ouvi-lo.

Maria é irmã de Marta, corresponsável por todos os afazeres do qual sua irmã empenhava-se em lidar. Mas Maria parou e ouvia Jesus.

Marta é aquela geração de filhos e filhas de Deus que está sempre ocupada demais para se permitir parar para jogar uma conversa fora, ouvir uma sonata, declamar um poema, ou brincar com e como as crianças.

Maria é aquela geração que é capaz de, a despeito de tudo, permitir-se ser criança.

Marta é uma geração que cresceu, estudou, formou-se, aprimorou-se, desvendou a mente, os números, criou metodologias, estatísticas e probabilidades. Por isso, não acredita em intuições, nem precisa de orações.

Maria é uma geração simples, que simplesmente crê; que faz coisas impensáveis e impossíveis, talvez pelo simples fato de não ter acesso ou ignorar às tais estatísticas.

Marta é uma geração de pessoas bem informadas e evoluídas que não precisa dos conselhos de quem não estudou tanto, que embora tanto tenha vivido, tempo vivido é tempo passado, desatualizado, caducado, velho...

Maria é capaz de ouvir e aprender com quer que seja: do mais novo ao mais velho, do mais rico ao mais pobre, do mais estudado ao mais indouto.

Marta é uma geração de filhos que, envolvida pelos sons do mundo moderno, não pode perceber o som suave da brisa, nem a sinfonia regida pela vida, a harmonia da respiração, a melodia dos sonhos em-cantos e o ritmo do pulsar do coração.

Maria, por sua vez, baila ao som do coração, do vento, da revoada dos pássaros. Ainda que não entenda a melodia, pode sentir a vibração do ritmo que a vida rege harmonizando sua alma à sinfonia do universo.

Marta é uma gente que aprendeu a força de um argumento, a importância de uma influência e o valor de um pronome de tratamento que precede seu próprio nome, da mesma forma que suas funções, suas atividades e habilidades precedem e ofuscam sua alma. Marta sabe o que faz, mas não sabe quem é.

Maria é apenas Maria. Sem pronome de tratamento, sem função. Sabe que antes de ser a profissional, precisa encontrar-se em si e ser quem é.

Marta só pode ler livros, ou artigos, técnicos, que lhes seja proveitoso profissionalmente ou agregue valor à sua formação. Afinal, Marta não tem tempo a perder com fábulas, poemas, causos, ou utopias.

Maria gosta de visitar a lua, as estrelas, imaginar um mundo perfeito, tem um jardim, joga milho aos pombos, cata conchinhas na beira da praia, crê em Deus e em outras coisas que não vê; pra relaxar lê Dom Quixote, O Pequeno Príncipe e Irmãos Grimm.

Marta está preocupada com a concorrência. Ela precisa chegar em primeiro lugar, ser a melhor, atingir a meta, superar as expectativas, ganhar mercado, garantir o futuro, sacrificar o presente, a família, os amigos. Marta nunca se satisfaz. Sua vida sempre está no futuro.

Maria vive o hoje. Embora sonhe e almeje dias melhores, não se esquece de que ser feliz é ser feliz agora.

Marta é racional; não sonha, porque não pode dormir; não tem esperança, porque não sabe esperar; não vive, porque não consegue respirar.

Maria, todavia, aprendeu a amar, e que amar é viver.

Então disse o Mestre: “Maria escolheu a melhor parte”.

Penso que ainda temos tempo de escolher.