Por Julio Zamparetti
Vinícius
escreveu o poema Resta, que inspirou Rubem Alves a escrever o seu Resta, que em
minha opinião é um dos textos mais lindos que já li. Agora, cá estou eu a
aventurar-me em escrever meu próprio Resta. Não faço isso por ambição de querer
ser igual a eles, mas porque as palavras são assim, tomam novas formas, novos
sabores, aromas, melodias e tons na alma de quem as recebe. Assim, eu que
gostaria de ter sido designer e não fui, chef de cozinha e não fui, perfumista
e não fui, cantor e não fui, pintor e não fui, posso, no uso das palavras dar
forma, sabor, aroma, música e cor ao que me resta.
Certo
dia fiz algo do qual, certamente, nunca tive o direito de fazer... mas fiz... fiz
um acordo com Deus. Não sei se ele existe; se existe, não sei se me escutou; se
escutou, não sei se concordou; e se concordou, não sei se vai realizar. Mas por
não saber se ele existe, resta-me crer, e por crer, fiz com ele tal acordo. Meu
acordo foi referente ao meu tempo de vida aqui. No início achei que ele teria
problemas para cumprir um prazo tão curto para alguém com tanta saúde. No
entanto, hoje, depois de descobrir o diabetes e alguns de seus efeitos na
própria pele, resta-me me cuidar muito se quiser alcançar o tempo combinado.
Talvez seja essa a razão pela qual eu tenha me impressionado tanto com os
Restas.
Pensar
no que resta pode parecer ser algo melancólico e até pode mesmo ser, mas o lado
bom disso é que nos faz valorizar cada instante que se vive, ver as coisas
belas da vida e o que faz a vida valer a pena.
Resta-me,
então, aprender amar quem eu sempre amei. Amor é como um jardim. Tem que ser
regado todos os dias. Além disso, os jardins estão em constante renovação e
mudança. Algumas flores se abrirão por algumas horas e logo morrerão, e ainda
assim requererão todo cuidado para que dentro de um ano dê um novo espetáculo
de beleza e vida. Não sei se foi por isso que ele escreveu, mas é por isso que
eu concordo com Raul Seixas quando disse que “ninguém nesse mundo é feliz tendo
amado uma vez”. Afinal, não se pode passar uma vida amando sempre com o mesmo
amor, porque as pessoas amadas não passarão a vida sendo as mesmas. O amor é
como um jardim que como todo jardim perderá lindas flores e outras flores, talvez
mais lindas, nascerão em seu lugar. Assim como eu não sou mais o mesmo, aqueles
a quem amo também não são como um dia foram. Os anos e a estrada nos modificam.
Resta-nos aprender a amar essas novas pessoas que somos, com o novo amor do
qual sejamos capazes de cultivar a cada novo dia.
Resta-me
fazer o que sempre quis fazer. Algumas vezes, quando realizamos um sonho, nos
frustramos ao perceber que não era aquilo que esperávamos. Isso acontecesse
porque importamos sonhos de outros sonhadores, ou absorvemos ideias midiáticas
como se fossem nossos sonhos. A parte difícil em se fazer o que sempre quis
fazer não é o fazer, mas sim, saber o que se quer. A gente só quer, de verdade,
o que faz parte da gente. Então, só quando a gente se descobre é que se pode
saber o que se quer. Resta-me então conhecer-me a mim mesmo. Nessa hora, é bem
possível que eu descubra que já tenha feito muito mais do que pensava querer, e
passe a querer o que de fato preciso fazer e que de fato me faz feliz.
Por
fim, resta-me ter a fazer coisas que não farei. Tanto o querer quanto o
realizar são partes de quem somos. O querer abre ciclos, ou estações, e o
realizar os encerra. Por isso não espero realizar todos os meus sonhos, porque
desejo sempre ter sonhos a realizar. Não querer a nada fazer é deixar de ser...
é morrer estando vivo. Assim sendo, enquanto restar-me tempo, restar-me-á ter o
que me faça ser e me mantenha vivo enquanto houver vida.
Resta-me
ainda ser cozinheiro, pintor, avô, enólogo, mergulhador, saxofonista, voar de
asa-delta, pular de bang jump, saltar de para-quedas... Algumas dessas coisas
eu farei, outras me manterão sonhando e querendo... ou diria, vivendo.
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