segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

MEU RESTA

Por Julio Zamparetti

Vinícius escreveu o poema Resta, que inspirou Rubem Alves a escrever o seu Resta, que em minha opinião é um dos textos mais lindos que já li. Agora, cá estou eu a aventurar-me em escrever meu próprio Resta. Não faço isso por ambição de querer ser igual a eles, mas porque as palavras são assim, tomam novas formas, novos sabores, aromas, melodias e tons na alma de quem as recebe. Assim, eu que gostaria de ter sido designer e não fui, chef de cozinha e não fui, perfumista e não fui, cantor e não fui, pintor e não fui, posso, no uso das palavras dar forma, sabor, aroma, música e cor ao que me resta.

Certo dia fiz algo do qual, certamente, nunca tive o direito de fazer... mas fiz... fiz um acordo com Deus. Não sei se ele existe; se existe, não sei se me escutou; se escutou, não sei se concordou; e se concordou, não sei se vai realizar. Mas por não saber se ele existe, resta-me crer, e por crer, fiz com ele tal acordo. Meu acordo foi referente ao meu tempo de vida aqui. No início achei que ele teria problemas para cumprir um prazo tão curto para alguém com tanta saúde. No entanto, hoje, depois de descobrir o diabetes e alguns de seus efeitos na própria pele, resta-me me cuidar muito se quiser alcançar o tempo combinado. Talvez seja essa a razão pela qual eu tenha me impressionado tanto com os Restas.

Pensar no que resta pode parecer ser algo melancólico e até pode mesmo ser, mas o lado bom disso é que nos faz valorizar cada instante que se vive, ver as coisas belas da vida e o que faz a vida valer a pena.

Resta-me, então, aprender amar quem eu sempre amei. Amor é como um jardim. Tem que ser regado todos os dias. Além disso, os jardins estão em constante renovação e mudança. Algumas flores se abrirão por algumas horas e logo morrerão, e ainda assim requererão todo cuidado para que dentro de um ano dê um novo espetáculo de beleza e vida. Não sei se foi por isso que ele escreveu, mas é por isso que eu concordo com Raul Seixas quando disse que “ninguém nesse mundo é feliz tendo amado uma vez”. Afinal, não se pode passar uma vida amando sempre com o mesmo amor, porque as pessoas amadas não passarão a vida sendo as mesmas. O amor é como um jardim que como todo jardim perderá lindas flores e outras flores, talvez mais lindas, nascerão em seu lugar. Assim como eu não sou mais o mesmo, aqueles a quem amo também não são como um dia foram. Os anos e a estrada nos modificam. Resta-nos aprender a amar essas novas pessoas que somos, com o novo amor do qual sejamos capazes de cultivar a cada novo dia.

Resta-me fazer o que sempre quis fazer. Algumas vezes, quando realizamos um sonho, nos frustramos ao perceber que não era aquilo que esperávamos. Isso acontecesse porque importamos sonhos de outros sonhadores, ou absorvemos ideias midiáticas como se fossem nossos sonhos. A parte difícil em se fazer o que sempre quis fazer não é o fazer, mas sim, saber o que se quer. A gente só quer, de verdade, o que faz parte da gente. Então, só quando a gente se descobre é que se pode saber o que se quer. Resta-me então conhecer-me a mim mesmo. Nessa hora, é bem possível que eu descubra que já tenha feito muito mais do que pensava querer, e passe a querer o que de fato preciso fazer e que de fato me faz feliz.

Por fim, resta-me ter a fazer coisas que não farei. Tanto o querer quanto o realizar são partes de quem somos. O querer abre ciclos, ou estações, e o realizar os encerra. Por isso não espero realizar todos os meus sonhos, porque desejo sempre ter sonhos a realizar. Não querer a nada fazer é deixar de ser... é morrer estando vivo. Assim sendo, enquanto restar-me tempo, restar-me-á ter o que me faça ser e me mantenha vivo enquanto houver vida.

Resta-me ainda ser cozinheiro, pintor, avô, enólogo, mergulhador, saxofonista, voar de asa-delta, pular de bang jump, saltar de para-quedas... Algumas dessas coisas eu farei, outras me manterão sonhando e querendo... ou diria, vivendo.

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