Por Julio Zamparetti
Hoje
estou mais herege que de costume. Tenho que fazer a homilia da missa da noite e
me deparo com alguns problemas com a liturgia. A primeira leitura é sobre a
pregação de Jonas e o arrependimento dos ninivitas. Tudo bem se não fosse a
forma como Jonas se expressa e a motivação que leva os ninivitas à conversão. O
texto diz que Jonas anunciou a destruição da cidade em quarenta dias, o povo se
converte por medo e, em vista à conversão do povo, Deus suspendeu o mal do qual
havia ameaçado fazer.
Em
primeiro lugar, eu não creio num Deus que faça o mal. A gente não precisa de um
deus, nem de um diabo, para fazer o que nós mesmos fazemos com extrema perícia.
Também não creio num deus que ameasse, e muito menos na conversão que seja
fruto de uma ameaça. Porque mudar de atitude por medo do castigo não é
conversão, mas sim uma estratégia típica de quem é perito em maldades. Até
Maquiavel ensinava “converter-se” em tal circunstância.
É
impossível ler esse texto sem pensar no contexto histórico e cultural sob o
qual fora escrito. Existe uma clara influência das crenças politeístas que
acreditavam que todo mal, como todo bem, procedia dos deuses e que os
sacrifícios, jejuns e rituais aplacavam a ira e o furor divino.
A
segunda leitura traz um caráter depreciador em relação à vida aqui e agora. O
apóstolo apresenta a conversão como um peso em que tudo no mundo tem que perder
o sentido de ser. Na liturgia de hoje, assim diz o autor sagrado: “quem é
casado, viva como se não fosse”; eu, todavia, prefiro o que diz outro autor não
menos sagrado: “desfruta a companhia da mulher que amas”. Na liturgia de hoje: “Quem
chora, viva como se não chorasse”. Bem, o certo é que alguém bem mais sagrado
disse: “Felizes são os que choram...”. O apóstolo ainda diz que “os que são
felizes, vivam como se não fossem e os que usufruem do mundo como se não
tivessem gozo nele”. Acho que Cristo pensava diferente quando reclamou dizendo:
“Nós tocamos flauta e vocês não dançaram”. Afinal, tudo que Deus fez, fez para
que fôssemos felizes.
É
inegável que o conceito paulino de que tudo era passageiro fosse absolutista.
Para Paulo, nada mais tinha importância, senão a conversão imediata de todas as
pessoas, porque Cristo estava absolutamente próximo de sua segunda vinda e o
fim de tudo era iminente. Paulo achava que sua geração era a última a viver
sobre a terra. Se você está lendo isso hoje, quase dois mil anos depois, eu não
preciso lhe dizer que Paulo errou.
A
liturgia é concluída com a leitura do Evangelho enfatizando a importância de se
largar as redes, a família e os amigos para seguir a Cristo de forma romântica,
imediata e totalmente desapegada do mundo. Vou então desviar meus olhos de Tiago
e João, que deixaram tudo para seguir a Cristo e mirar-me em seus irmãos que
ficaram com seu pai, Zebedeu. Seriam eles menos amados por Deus? A família não
seria um lugar digno do serviço cristão? O ambiente de trabalho é impróprio
para a prática dos preceitos espirituais?
Acredito
que vivemos um tempo propício à conversão. Não porque o fim está próximo; não
porque Deus esteja prestes a nos castigar; não porque corremos o risco de ir
para o inferno; não porque precisamos salvar nossa alma. Precisamos nos
converter porque precisamos nos salvar de nós mesmos, precisamos deixar um
mundo melhor, precisamos fazer alguém feliz.
A
conversão da qual precisamos não é nos fecharmos na religiosidade; não é olhar
para o céu como se nada houvesse aqui; não é viver aqui como se nada houvesse
lá. Precisamos de uma conversão daquela em que se diz que Cristo convergiu em
si os céus e a terra. Precisamos nos abrir para o mundo, apreciar a vida,
cuidar da saúde, abraçar os amigos, valorizar a família, viver como quem é
feliz pelo simples fato de ser feliz, chorar as dores, rir as alegrias, amar
intensamente alguém com quem queira viver até que morte os separe; desfrutar
todo bem que a vida tem para dar e descobrir que nisso tudo o Criador é
exaltado e o céu é vivido.
Estas
coisas são passageiras, eu sei. Mas não são sem valor. Elas são passageiras
porque são apenas o princípio da eternidade. Sem estas não haverão aquelas.
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