Voltando de Recife, meu vôo atrasou, então perdi o último ônibus que havia, naquela noite, para que eu viajasse de Florianópolis para Tubarão, onde moro. Eu tinha certeza que Deus providenciaria um meio de não passar a noite naquela rodoviária, mas Deus providenciou-me, sim, uma experiência inesquecivel: uma noite de maltrapilho, junto aos andarilhos. O primeiro ônibus só partiria às 08:15 da manhã seguinte. O que se passou em minha alma, expressei lá mesmo, escrevendo o que se segue:
Nem sempre a gente tem quem faça pela gente aquilo a gente faria por outro. E a gente acaba isolado, abandonado, exilado numa mesa de bar, num banco de rodoviária, num copo de cerveja, nas mãos do acaso, sem eira nem beira.
Onde estão os amigos? Onde está a fé? Onde está a esperança? Onde estão os sonhos? Onde estão as pipas? Onde estão as crianças? Ao menos aquela que existia dentro de mim?
De repente tudo mudou, o sol não brilhou, a luz não raiou, meu amor não me esperou, a janela fechou, a mandinga falhou, mais nada sobrou, a esperança cansou, a fé desacreditou, a pipa rasgou.
E eu que pensava ser alguém e imaginava entre nobres, surpreendi-me entre maltrapilhos, compartilhando o mesmo teto, os mesmos acentos e o mesmo sono mal dormido.
Já não sei se choro ou se rio, se agradeço ou amaldiçôo. É um sentimento flex, uma emoção mix que me invade formando em minha mente um pensamento híbrido.
Mas os híbridos não geram híbridos. Portanto essa é uma experiência única. Talvez devesse experiencia-la mais vezes. Talvez todos devessem experimentá-la: um dia de andarilho, um dia de maltrapilho, um dia de miséria e caos, um dia encarcerado, algemado, dolorido, esmagado, humilhado.
Depois disso jamais olharei do mesmo jeito, preconceituoso e soberbo, para o pobre e sofredor. Também já não verei minha vida da mesma forma. Uma noite de frio, sem teto, sem cama, sem lar, sem carinho, sem os filhos e sem o colo da mulher que se ama, inexoravelmente realça o valor de um dia quente, uma manhã de primavera, do abraço dos filhos, do amor da mulher amada.
Hoje estou aqui, logo estarei em casa. Mas, estes pobres, tudo o que têm são estes bancos, o frio, a companhia dos pombos e esta impressionante habilidade de dormir de qualquer jeito! O que planejam? O que sonham? Com o que se preocupam? Seja lá o que for, planejarão, sonharão e se preocuparão quando o sol nascer. Viverão um dia de cada vez, pois bem sabem que “basta a cada dia o seu próprio mal”. Acho que é por isso que nesse exato momento eu escrevo e eles dormem... E como dormem!
Dormem como eu não durmo mesmo em meio a todo conforto! Talvez o que me conforta mesmo é pensar e escrever. E assim expurgo meus demônios, exorcizo meus traumas, anestesio minha alma e tomo coragem para enfrentar o amanhã.
E por falar em amanhã...
Ah! Deixe para amanhã.
Obs.: Olho para o termômetro interno da rodoviária e ele marca 22ºC. é a mesma temperatura que regulei o ar condicionado na noite anterior. E penso: no fim somos todos iguais.
Julio Zamparetti
Rodoviária de Florianópolis, 03 de junho de 2011
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