terça-feira, 5 de abril de 2011

NÃO SERIA COMPLETO, SE NÃO FOSSE IMPERFEITO

Por Julo Zamparetti

Quando Jesus fez lodo com saliva e terra e pôs sobre os olhos daquele cego de nascença, não sujou o homem, apenas o fez lembrar quem de fato era. E de fato, aquele homem, assim como nós, era barro, pó que ao pó retornaria. Ninguém pode sujar a terra com terra, do mesmo modo que não se pode molhar a água. Jesus fez uso de uma pedagogia semelhante a das cinzas, já usada pelos judeus e perpetuada na tradição cristã. Essa pedagogia nos ensina a reconhecermos quem somos e nos defendermos dos males causados por nossa própria presunção e vaidade. Em outras palavras, só podemos ter nossos olhos espirituais abertos quando reconhecemos a necessidade que temos da lavagem de nossas almas nas águas do Espírito.

É nesse estágio que podemos perceber que a perfeição tão requerida pelo senso de espiritualidade se dá não só em reconhecer, mas também saber lidar com nossas imperfeições. O termo ‘perfeito’ significa completo (per-feito = por-concluído). Logo, devemos concluir que ninguém poderá ser completo se não souber viver suas imperfeições, suas angústias, suas dores. A vida é vazia quando não interage com a morte, a riqueza perde o sentido quando não se envolve com a miséria, a alegria perde o gozo quando não há espaço para a melancolia. Quem entende isso descobre o sentido das palavras do Mestre: “felizes os que choram”, “bem-aventurados os pobres pelo espírito”.

Insisto em afirmar que a perfeição não está na ausência do erro, pois onde há ausência, já não há completude. Logo, a perfeição se dá em simplesmente viver a vida em todas as suas dimensões. Não é perfeito quem não cai, nem é completo quem não se levanta após a queda. Nem mesmo Deus seria perfeito se não houvesse provado a dor da humanidade, sua queda e maldição.

“Não deixe o sol morrer, errar é aprender, viver é deixar viver”. Acho, sinceramente, que essa música de Frejat não seria tão espiritual e verdadeira se não fosse secular. Digo isso porque a mensagem da religião, em nossos dias, nem de longe tem essa completude. Pelo contrário, o que se ouve dela é uma mensagem enganosa de triunfalismo gospel, cheia de jargões e padrões de moralidade aparente que reflete bem a intenção daqueles que buscam na religião um disfarce “santo” para a vida pútrida em que tudo é permitido, conquanto nada venha a público. E este fato denuncia a falácia do fundamentalismo religioso, pois nem Cristo, nem os profetas, nem os apóstolos acobertaram qualquer hipocrisia, antes levavam seus seguidores e a si mesmos a reconhecerem suas debilidades. Enquanto a luz de Cristo revela toda imundície de nossas almas, a religião dá aos seus seguidores a falsa sensação de que tudo está purificado; enquanto Cristo aplicava lodo aos olhos, para que até o cego pudesse ver o quanto era pecador, a religiosidade passa óleo perfumado fazendo os pecadores não verem suas misérias e ainda pensarem ser príncipes. De tão cegos, se entregam ao desejo de serem juizes, acusadores e inquisidores de seus semelhantes. Dessa forma o fiel religioso repete o erro tão enfaticamente denunciado por Cristo, de ser religiosamente sepulcro caiado.

Amar alguém, requer amar por inteiro. Advirto que quem quiser me amar não poderá amar-me apenas nos aspectos em que sou luz, porque não sou apenas luz. Queres saber quanto tenho de trevas? Não poderei dizê-lo, pois nem mesmo eu posso saber! Afinal, trevas é área cega. Logo, o amor é um tremendo risco. Talvez por isso seja perfeito!

É que o amor encobre uma multidão de nossas imperfeições! Encobre... não remove! É que se ele as removesse ficaríamos incompletos, e já não poderíamos mais ser perfeitos.

Como se diz numa máxima das artes plásticas: “a perfeição está nas imperfeições”. Amemo-nos, pois, uns aos outros. Amor incondicional, completo, perfeito!

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