sexta-feira, 4 de novembro de 2011

O MATRIMÔNIO PODE SER NULO?

Por Julio Zamparetti

Segundo os cânones da Igreja Católica Apostólica Romana, um casamento pode ser considerado nulo quando for comprovado que não houvera vínculo pelo qual o sacramento seja válido. Isto é, casamento sem amor não vale.

Depois de 13 anos de casamento, 3 filhos, o espertalhão diz: pensando bem, nunca te amei, quero casar com outra por quem me apaixonei. Te amar não deu, nosso casamento não valeu, vou pedir que o bispo declare isso.

Os cânones permitem a exclusão total do matrimônio com o objetivo de honrar a dignidade do sacramento, arrumando assim os erros dos casamentos arranjados nos acordos entre os coronéis, reis, ou mesmo aqueles em que o pai da moça acompanhava a marcha nupcial com um trabuco junto à orelha do noivo fujão.

O problema é que como não existe um amorômetro para medir o amor existente entre os nubentes no dia do casamento, basta o fanfarrão dizer que casou sem amor e tem aí um belo argumento para pedir a declaração de nulidade do casamento. E quem poderá dizer o contrário? Quem poderá dizer se ele a amava ou não? Pronto! Verdade é que bagunçaram com o que servia para arrumar!

O começo dessa bagunça se dá numa falsa interpretação bíblica difundida pela igreja de Roma. Dizem que “o que Deus uniu o homem não separa”. Mas o texto bíblico não diz isso. Diz, sim, que “o que Deus uniu o homem não separe”. O verbo é imperativo, trata-se de um dever. Uma versão católica diz: “O que Deus uniu o homem não deve separar”. Quem casa tem o dever de manter o casamento enquanto ambos viverem. Entretanto, em lugar algum das escrituras é afirmado que se alguém não cumprir seu dever aqui, Deus manterá o vínculo no céu. Por isso, mesmo que o divórcio seja contra o desejo do Altíssimo e só tenha sido concedido por Moisés por causa da dureza dos corações, divórcio dado aos homens é divórcio consumado diante de Deus. Pois é inútil afirmar união enquanto os corações estão separados, principalmente diante de Deus que vê justamente o coração. Ademais, de que adianta negar o divórcio se continuamos com os corações tão endurecidos quanto os corações dos contemporâneos de Moisés? Isso é um típico caso em que se combate o efeito sem tratar a causa.

Logo, o pecado não está em casar-se novamente, mas sim em separar-se. A declaração de nulidade do casamento, além de ser enganosa, desmoraliza e enfraquece a instituição do matrimônio, subjetivando o sacramento e dando ao demandante a falsa sensação de que é apto a casar-se novamente.

As Escrituras dizem que os dons de Deus são irrevogáveis. Se isto vale para dizer que não há divórcio diante de Deus, também vale para dizer que não há nulação. Entretanto, o divórcio é algo que não deve, mas pode acontecer. A nulação, todavia, é negar os fatos, a história e a vida, coisa que não se deve, nem se pode fazer.

Se não podemos resolver o problema da dureza de coração que leva ao divórcio, negar o direito ao segundo casamento também não é solução, pelo contrário, é só mais um problema.

Talvez o pior fator que componha este cenário seja algo de que a Igreja não se deu conta: se um casamento é nulo pela falta de vínculo, outros sacramentos também são nulos pela mesma razão. Isso subjetiva todos os sacramentos e põe em xeque a autenticidade da igreja. Por exemplo, um padre pode ter sua ordem nula por falta de vocação. E não são poucos os que, ao longo da história, ingressaram ao sacerdócio e até chegaram a ser bispos, unicamente por pressão familiar ou acordos políticos. Usando da mesma medida usada para se declarar nulo um casamento, caberá também declarar nula muitas ordenações e, por conseqüência, igualmente nulos todos os sacramentos ministrado pelo padre nulado.

Falta à igreja usar para com os leigos a mesma medida com que se faz valer ao clero; objetivar o matrimônio da forma como objetiva as sagradas ordens; e usar para com todos a mesma misericórdia com que Cristo usa para conosco, dando sempre uma segunda chance.

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