segunda-feira, 13 de abril de 2015

O CÉU COMO CREIO

 Por Julio Zamparetti
Não é estranho que a mensagem religiosa nos ensine que a vida altruísta e comunitária seja uma forma de alcançar a salvação eterna individual? Eu acho bem mais coerente pensar que a vida altruísta e comunitária seja, então, uma prévia do que é a eternidade. Quando os Cristãos, após a ressurreição de Cristo passaram a ter tudo em comum, sem que ninguém fosse dono de nada e ninguém tivesse falta de nada, anunciavam o que haveria de ser o reino eterno. Assim os que se adaptam a esse modus vivendi estarão, aqui na terra, mais próximos ao que os espera após a morte. É até possível dizer que essa forma de viver seja uma forma de celestificar a vida terrenal. Com base nisso, sou capaz de dizer que o céu não tem indivíduos, pois, nele, Deus é tudo em todos e todos são um em Deus, como diz as Escrituras.

Nossa dificuldade em aceitar essa tese se dá pelo fato de que nossa mente egoísta quer para nós, e somente para nós, o fruto de nossa justiça própria. Assim, pensamos que se individualmente fizemos o bem, individualmente devemos colher os frutos. Em razão disso, a vida parece ter sentido somente se depois dela houver algo nos esperando com nosso nome escrito sobre uma recompensa ou castigo merecido.

Entretanto, a meu ver, o exemplo de Cristo subverte toda essa lógica de pensamento. Jesus veio para salvar o mundo, e não a si mesmo, e ainda disse que quem cresse nele faria as mesmas obras e as fariam ainda maiores. Não posso deixar de pensar no que significa sua ordem de dar de graça o que de graça foi recebido. Parece-me que ser salvo é, em si, um chamado a ser salvador.

Talvez, salvar o mundo não seja uma tarefa inerente ao Cristo histórico, mas ao Cristo cósmico, cordeiro imolado antes da fundação do mundo, e que hoje tem seu corpo místico materializado em todos os homens de boa vontade sobre a terra, e, talvez, a história do Salvador seja apenas um ícone da cosmologia da salvação. Ou seja, o Cristo cósmico, do qual somos parte, é maior que o Cristo histórico.

Nesse ínterim, acho que o maior erro da igreja foi ensinar que o sacrifício histórico do Cristo fosse suficiente para remir a humanidade. Então, confiando na remissão por meio do sacrifício histórico, os fiéis se apropriaram de uma salvação mágica praticada em um único e solitário ato, alheio e independente de qualquer obra humana. Isso contraria o que o próprio Cristo falou a respeito de que o seu reino não se manifestaria com visível aparência, mas se daria no interior de cada pessoa, resultando e evidenciando-se em suas boas obras.

Por outro lado, a compreensão do sacrifício cósmico, ou sacrifício do Cristo cósmico, nos coloca dentro do ato. E, então, Cristo salvou e ainda salva por meio de um corpo místico, do qual somos membros ativos, num ato sacrificial universal e contínuo de altruísmo, acolhida, doação e amor ao próximo. É razoável entender que um sacrifício dessa proporção certamente salva o mundo. A partir disso, poderemos encontrar o cumprimento da palavra do Cristo histórico quando disse algo sobre realizarmos obras maiores.

Todavia, acho difícil que quem faça o bem pensando no bem a receber pelos méritos do bem que fez, possa salvar o mundo, visto que apenas busca salvar a si mesmo. Ainda mais quando se espera que a colheita seja exclusiva de quem plantou. Porque um ato de amor não perspecta retorno, e não posso crer em salvação sem amor. Quem ama se alegra em ver todos colhendo os frutos daquilo que ele semeou, mesmo que só ele tenha semeado.

Claro que eu posso estar errado, mas não consigo conceber a ideia de um céu de individualidades. Toda individualidade gera exclusão, exceção e acepção. Não poderia ter sido criado por um Deus que não faz qualquer acepção de pessoas.

Quem ama e é amado já alcançou a vida eterna. Quem não sabe amar, tão pouco sabe ser amado. Para este, a eternidade, se possível fosse, lhe seria um inferno. Essa é a razão pela qual Deus, que é amor, não permitiria que houvesse vida eterna senão no amor. Sem amor nada é eterno.


Creio num céu em que somos eternizados pelo amor e no amor. Onde, seja aonde for, viveremos eternamente em cada vida que amamos e coração que nos amou, da mesma forma que levaremos vivos em nós tudo que nos foi amado. Então unidos e unos, celebraremos com amor, no amor e pelo amor o amor que nos uniu. Como dizia o autor sagrado, no final de tudo só o amor permanecerá. “O amor jamais acaba”. Eis a vida eterna! Quem sabe possamos ser como disse o poeta: uma parte de mim é amor, a outra parte... também.

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